BD-Á-Bá: Grande entrevista com Jorge Machado Dias, autor e editor de BD – 2a parte

 

O BDjornal ainda se encontra em actividade, neste momento com uma periodicidade anual. Quais são os teus planos para o futuro relativamente à publicação?

Para já, o BDjornal é semestral, não anual! Quanto ao futuro, espero continuar esta fase até ao #30 – que sairá em Outubro deste ano. Depois logo verei se, ou como, a coisa continuará. Ainda é cedo, embora já esteja a trabalhar para esse futuro.

Às vezes também te aventuras na escrita de argumentos. Como correram as tuas experiências como autor, até à data?

Como já disse acima, a certa altura deixei praticamente de desenhar, passei a escrever e, o que foi pior, passei a editar. Ora, como disse alguém, a pior coisa que pode acontecer a um autor de BD (sobretudo se for desenhador) é tornar-se editor.

Isto porque, para além de se tornar num editor com problemas financeiros (porque nunca terá estaleca para o negócio), deixa de ter tempo para desenhar – e o desenho é uma ocupação a tempo inteiro.

Portanto, como autor e também como editor, sinto-me bastante frustrado. Por isso é que disse atrás que, se calhar um dia destes borrifo-me para a BD (se conseguir) e volto à pintura, talvez quando já estiver “lelé da cuca” como também dizem os brasileiros.

           

Como desenhador, nos últimos vinte anos, só desenhei as trinta e duas pranchas de “Corpo a Corpo”, de pornografia pura (faltam publicar doze pranchas), para a BDVoyeur, as quatro pranchas de “O Regresso de Valentina”, para o fanzine Eros #10 – Especial, de Geraldes Lino e a prancha de “Corto Maltese no Século XXI”, para o fanzine Efeméride, também editado por Geraldes Lino. E isto, foi porque Geraldes Lino (abençoado seja) é pior que a “melga”, quando agarra não larga…

Como perceberás, é frustrante. Até mesmo em matéria de argumentos, que são, em princípio, mais rápidos de escrever e menos exclusivistas na dedicação do que o desenho, tenho dez argumentos iniciados, à espera, talvez, que vá para uma qualquer ilha deserta, longe dos problemas da edição e do trabalho profissional como designer gráfico, para os terminar.

Isto porque não sei fazer argumentos para histórias curtas e os que faço levam-me sempre a pesquisas, por vezes intermináveis, à procura de quaisquer dados que me faltam.

Aliás o único argumento para história curta que fiz, foi para o Vitor Borges, em 1999, para participação na exposição/catálogo “Uma Revolução Desenhada: o 25 de Abril e a BD”, onde o meu nome nem sequer consta.

Sei que tens alguns projectos pensados que nunca avançaram. Há alguma surpresa guardada para o futuro? O que podemos esperar da tua parte e da tua editora?

Bem, os projectos pensados, são sempre a salvaguarda para o futuro – pelo menos é o que queremos pensar disso. Em matéria de edição, para além do BDjornal #29 e #30, está a ser preparada uma co-edição com o Wagner Macedo (vendedor exclusivo e representante do BDjornal no Brasil) para um álbum de Julio Shimamoto.

E gostaria de realizar uma grande exposição sobre este “samurai dos quadrinhos”  para a qual já tenho oitenta e tal cópias de grande qualidade, de várias fases da sua obra. Depois há o projecto do álbum do Relvas. E vou tentar editar a BDVoyeur #3 em 2013.

O último projecto que concretizei, foi a Livraria Pedranocharco Online, pensado já há muito tempo e só agora concretizado em http://pedranocharco.shopmania.biz/.

Trata-se da primeira livraria de banda desenhada online portuguesa, onde espero vir a ter muitos dos títulos de BD portuguesa disponíveis. Já lá estão edições da Pedranocharco (obviamente) e também, da Libri Impressi, Chili Com Carne, MMMNNNRRRG, Edições Polvo, as revistas Zona, Edições Nova Vega, uma série de fanzines, livros de autor, etc… Vamos ver no que vai dar.

Quanto a surpresas, infelizmente, só se forem também surpresas para mim é que acontecerá alguma.

Em jeito de balanço, e embora se adivinhem muitas mais, quais as recordações que guardas com maior carinho. Tertúlias com autores, apresentações de obras, momentos caricatos… Podes partilhar alguns episódios?

As minhas melhores recordações são, para começar, dos Festivais da Amadora, onde vou desde 1992 (3º FIBDA) e em que, a partir de certa altura estive presente todos os fins-de-semana – sendo que no de 1998, como disse atrás, estive lá todos os dias a vender o BDinFólio – e com mais “militância” a partir de  2005, desde que tenho stand em todas as edições do Festival.

Devo mesmo ser o maluco com maior número de dias de presença nos últimos 19 anos de Festival. Depois, as Tertúlias BD de Lisboa que frequentei religiosamente todos os meses desde 1997 até Janeiro de 2011.

Só desde que passei a morar em Caldas da Rainha (Fevereiro de 2010), é que frequento a Tertúlia com menos assiduidade. E há os Salões de Moura e de Viseu, de que guardo grandes recordações. Ou do Festival de Beja, que é muito especial para mim, porque começou em 2005 e o primeiro número do BDjornal foi lançado lá.

Mas o Festival de que guardo particulares recordações, inesquecíveis até hoje, foi o último que se realizou no Porto, em 1999. Talvez porque tenha sido o único a que fui. E foi uma “aventura” em grupo, a ida a esse Festival.

Desta maneira: a Bedeteca de Lisboa organizou em conjunto com a Associação do Festival de BD do Porto, os Colóquios “Hoje a BD”, que decorreram no Teatro Rivoli. E o pessoal de Lisboa foi de comboio, em excursão, até ao Porto, para participar na coisa.

Dos “Colóquios” pouca coisa recordo, mas do ambiente e do convívio, foi muito marcante. Foi, por exemplo, onde conheci pessoalmente toda a gente do Atelier Toupeira de Beja (com os quais me correspondia) e que mais tarde organizaria o Festival de BD de Beja.

Já os episódios mais caricatos, ocorreram quase sempre nos Festivais da Amadora, quando este decorria na Fábrica da Cultura, obviamente. Lembro-me por exemplo, do episódio que ocorreu no Festival de 1995.

Eu e o Victor Borges montámos pessoalmente a exposição sobre “As Aventuras de Paio Peres”, em que o objecto marcante da cenografia era uma porta “moura” com cerca de cinco metros de altura, feita em relevo numa das paredes da Fábrica da Culturas e por cima da qual “esvoaçava” uma gaivota em esferovite com dois metros de envergadura. À frente da porta estavam as três personagens principais da história desenhadas em tamanho natural, coladas em esferovite recortada e apoiadas (pregadas em apoios) no chão.

Pensámos que seria engraçado suspender a gaivota com fio de pesca grosso, da estrutra metálica do telhado do edifício – para quem se lembre da Fábrica, sabe que essa estrutura estava a mais de dez metros de altura. Para isso precisávamos de qualquer coisa que chegasse lá acima para passar o fio, etc… e chamámos o director do Festival, o Luís Vargas.

Quando ele chegou ao nosso espaço e viu aquela porta gigantesca, ia-lhe dando uma coisa má e desatou aos berros. “Os elementos das exposições não podem passar dos três metros!”, “Tirem isso tudo daí!!!” Estávamos a poucas horas da inauguração.

Depois dele se ir embora, desatámos a rir, até que eu disse: “Ok! Não há tempo para desmontar nada… Prega-se a gaivota na parede, por cima da porta e pronto, está feito!” Claro que durante a visita do Presidente da Câmara, na inauguração, Luís Vargas disse-nos entre dentes, com ar de poucos amigos “Vamos ter de falar a sério sobre isto mais daqui a pouco”, o que nunca aconteceu.

No ano seguinte montámos de novo uma exposição, desta vez no espaço de acesso ao Auditório do Festival. Eram pranchas de “Herminius – Regresso a Portucale”, de “Um Catálogo de Sonhos” do José Carlos Fernandes e uma série de pranchas do grupo do Pedro Potier, Eliseu “Zeu” Gouveia, etc…

Quase no final da montagem achei que aquilo estava muito “nú” – faltava qualquer coisa. Fui dar uma volta pelas outras exposições e encontrei o Fernando Relvas, que ia ter uma exposição individual.

Andava com uma fita na cabeça, à ninja, a empurrar um carro de mão das obras, a acartar terra e pedras, do exterior da Fábrica, para o meio do espaço da exposição dele. Perguntei-lhe qual era a ideia. “Eh pá, estou a fazer uma ‘instalação’ ali no meio, porque aquilo parece o Terreiro do Paço”.

Claro que, quando o Luis Vargas viu a “instalação”, por pouco não teve uma apoplexia e depois de muita barafustação, mandou o pessoal da Câmara retirar a terra toda. Mas aquilo fez com que eu fosse à rua ver o que havia por lá e reparei nos ramos dos arbustos de uma sebe.

Começámos a arrancar ramos da sebe e a pregá-los nas paredes da exposição, até aquilo parecer quase uma floresta. Devo dizer que o espaço ficou com um aspecto estranho para uma exposição de BD (ou outra qualquer), mas interessante.

Felizmente o director do Festival só viu aquilo no dia seguinte à inauguração e já não estava para se chatear. Infelizmente, o diabo dos ramos foram murchando ao longo do Festival e no final, o aspecto da coisa era completamente de partir a rir.

Claro que nada disto poderia acontecer actualmente, no espaço institucional, pomposo e circunspecto em que o Festival da Amadora se transformou. E é por isso que existem tantos saudosos da Fábrica da Cultura, onde havia, de facto, a Festa da Banda Desenhada em Portugal…

 

Se pudesses pedir 3 desejos para a BD nacional, para os seus autores, editores, leitores… Quais seriam?

A – Que os autores portugueses de banda desenhada desatem os nós que têm nas cabeças e comecem a produzir obras que não sejam apenas para eles próprios e para os amigos, deixando de alimentar os seus egos e começando a alimentar um público. Pode ser que assim surjam mais “Dogs Mendonças”…

B – Que aqueles que escrevem argumentos e não os conseguem desenhar com qualidade (quase sempre, eles pensam que têm qualidade, mas o espelho está baço pela auto estima insuflada e engana-os), deixem de rabiscar coisas sem qualidade e se concentrem na nobre tarefa da escrita para banda desenhada. Porque desenhadores, nós temos uma legião deles de grande qualidade.

C – Que os autores deixem de carpir por não haver editores nem mercado. Agrupem-se, criem equipas ou estúdios (lembro o Lisbon Studios…) e produzam cirurgicamente para um mercado – deixem as “obras primas” para mais tarde. Vão às escolas interagir com os miúdos, em workshops, ou apresentações, de maneira a começarem a formar um público. Quando existirem obras de BD viradas para o público, haverá sempre quem as edite!

Eu sei que isto é quase pedir que se comece de novo. Não traz sucesso imediato, claro. Mas parece-me que é mesmo preciso começar de novo!

 

André Oliveira

 

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