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Tafofilia, uma outra forma de viver a morte

A Tafofilia é a atracção por túmulos e cemitérios e é a área de eleição do Mort Safe. Criado por Gisela Monteiro, o blogue agrega informação histórica e sociológica de cemitérios, dando a conhecer a evolução destes espaços e a relação que as pessoas estabelecem com os mesmos, através das lendas, epitáfios e tradições criadas

 

A relação humana com a morte é diferente conforme os contextos cultural, religioso e histórico. Hoje em dia, poderia ser considerado grotesco as autoridades apresentarem em público cadáveres por identificar, porém tratava-se de algo habitual em Paris, desde o século XIV.

O desenvolvimento da sociedade e a importância das questões de higiene e saúde pública, conduziram as autoridades a debaterem-se sobre a criação de um espaço onde os corpos pudessem ser apresentados.

Com naturalidade, a ‘basse-gêóle’, “sala pequena e húmida, onde os cadáveres eram arrumados uns sobre os outros e os familiares procuravam, de lanternas em punho, pelos seus entes queridos entre os corpos empilhados”, deu lugar às conhecidas morgues.

Espaços de recreio

A criação da primeira morgue na capital francesa em 1804 coincidiu com o início da utilização da palavra ‘morgue’, cuja etimologia refere-se a “olhar de forma inquisitiva e fixa”, o que poderá explicar o sucesso que a exposição de cadáveres granjeou na sociedade da altura.

Conforme explica Gisela Monteiro no seu blogue, “se considerarmos que a Morgue de Paris tinha cerca de um milhão de visitantes por ano, facilmente percebemos que as visitas dos populares não tinham por objectivo a identificação dos cadáveres expostos, mas sim o espectáculo do macabro”.

O Mort Safe escava o seu espaço na Internet desde Fevereiro deste ano. Segundo a sua fundadora, “pretende reunir referências e informação sobre a tafófilia, numa tentativa de a difundir e desmistificar, procurando ao mesmo tempo ser uma ferramenta útil a todos aqueles que gostam de passear por cemitérios para observar estatuária, ler epitáfios ou sentir o silêncio”.

Arte nos cemitérios

Por outro lado, explica a lisboeta, “culturalmente aprendemos a ignorar os cemitérios, porque nos é mais confortável ignorar a morte e, por isso, as pessoas que mostram um interesse por este tema são olhadas como sendo criaturas estranhas […].Também é para isso que criei o blogue: para ajudar a desmistificar o que é a tafofilia e o que são os tafófilos”.

Em declarações ao portal Ave Rara, Gisela Monteiro explica que “desde pequena que me habituei a visitar cemitérios. Nunca me senti assustada ou intimidada pelo espaço; pelo contrário, sempre achei o seu silêncio relaxante e favorável ao pensamento”.

Foi também na cidade-luz que a lisboeta de 32 anos percebeu que “fotografar cemitérios era uma coisa que gostava mesmo muito de fazer”, sendo que, conjuntamente com os livros que foi adquirindo sobre a temática, “achei que seria interessante partilhar o que ia encontrando com outras pessoas e a forma mais simples que encontrei para o fazer foi criar o blogue”.

Perspectivas animadoras

Gisela Monteiro revela que “não há grande aposta das editoras nesta área”, o que resulta na pouca bibliografia portuguesa dedicada à Tafofilia. O blogue Mort Safe tem servido para contornar esta situação e a comunidade lusa de tafófilos agradece, reunindo-se na página de Facebook do blogue. Desta reunião, foi já organizada uma saída de campo: “em Abril, fomos ao jazigo dos duques de Palmela, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa”.

Gisela Monteiro acredita que a relação dos portugueses com os cemitérios está a alterar-se, no sentido de valorizar e reconhecer a arte que os mesmos encerram. “Estamos a ficar mais atentos a esta realidade. No entanto, ainda temos um longo caminho a percorrer e muitos tabus a desfazer para chegar ao ponto em que estão os irlandeses, por exemplo, que têm lojas, cafés e restaurantes no interior dos cemitérios, mas estamos na direcção certa”.

A contribuir para esta mudança de mentalidades, têm surgido várias iniciativas nos últimos anos, levadas a cabo pelas autarquias e que têm passado pela “dinamização dos cemitérios nacionais mais interessantes, como a criação e sinalização de percursos, disponibilização de visitas guiadas, distribuição de mapas, publicação de roteiros, etc”.

A oportunidade do Necroturismo

A título de exemplo, a Câmara de Lisboa costuma organizar visitas guiadas ao Cemitério dos Prazeres, onde os visitantes têm oportunidade de conhecer a história do espaço, aprender e identificar a simbologia fúnebre e associada à Maçonaria e os estilos e evolução da arquitectura tumular.

No caso do Porto, o trabalho feito nos últimos anos tem tido bons resultados, com os cemitérios da Invicta a integrarem a Association of Significant Cemeteries in Europe, “o que é uma grande mais valia para a promoção internacional do espaço”, destaca Gisela Monteiro.

A lisboeta, que elege o cemitério Monumentale, em Milão, como o favorito, “por agora”, acredita que muito pode ser feito, sem grandes custos associados, dando para isso o exemplo de Espanha, onde o Necroturismo “é uma área em expansão e em que vale a pena invistir”, com o aumento do número de visitas aos cemitérios e, consequentemente, das receitas laterais.

 

*todas as fotos da autoria de Gisela Monteiro

 

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